Quase velha
Por Júnia Puglia + Vera Golik
A velhice é um bicho arisco que me espreita em cada gesto, em cada movimento. Sou o produto desta época, na qual envelhecer é bastante proibido, pois ofende os corpos e mentes de uma geração que aspira à imortalidade e precisa acreditar nela, empurrada pela glorificação da juventude, pelo consumismo e pela indústria de cirurgias plásticas, cosméticos e suplementos nutricionais.
A convivência com os velhos – tenho horror aos eufemismos ridículos, que tentam tirar dos velhos o seu maior trunfo, que é o de ter vivido o suficiente para ser velhos – perdeu a naturalidade, como se, ao se tornar impossível adiar a constatação das fragilidades inerentes ao avanço do tempo, está-se frustrando uma expectativa fantasiosa de vigor físico e mental dos mais jovens, despreparados para acolher o envelhecimento, como estamos nós mesmo, os que nos aproximamos deste estágio da vida.
Prestes a fechar a sexta década, percebo o quanto de energia já ficou pelo caminho. Como no cansaço causado por uma viagem mais longa e no tempo necessário para me recuperar, na dificuldade para ver e decifrar letras e imagens miúdas, apesar dos óculos sempre atualizados, no esforço adicional para digerir a comida e na necessidade de me ajustar a horários e menus que não dificultem o sono, e até mesmo nos drinks alegremente compartilhados em horários que alguns anos atrás eram “de velhos”. Y otras cositas más.
Sim, há vantagens, exaustivamente listadas em textos de todo tipo, num esforço de consolo e bem-estar para quem se assusta com o passar do tempo. Estar sentada diante do computador na mesa de jantar, às dez e meia da manhã, e poder levantar a cabeça, olhar pela janela e apreciar o céu azul profundo e o lilás intenso das flores dos jacarandás da rua sob o sol forte, por exemplo, é algo que não se consegue fazer enquanto o juízo e o peito estão ocupados pelas tarefas e demandas emocionais da criação dos filhos, da carreira, do casamento, das pressões por ser e se manter competente e necessária.
O que eu quero agora é ver os meus netos, este primeiro que está a caminho e quantos mais vierem depois, se vierem, e também os adotados do coração, cheirá-los, apertá-los, mostrar-lhes as palavras e as mágicas que elas fazem, compartilhar com eles ao máximo o gosto de estar viva. Quero me encher de coisas bonitas. Quero cultivar, esticar e gastar a minha autonomia e consciência até o talo, se possível trocando e renovando afeto, e depois, havendo um depois, encarar as fraldas e o andador com a dignidade possível, de preferência sem muito sofrimento, porque este sim carece totalmente de sentido. E rir, rir muito, principalmente de mim mesma, das muitas tolices que trago aqui dentro e das tantas à minha volta.