Vocês deviam se envergonhar de linchar publicamente a garota que foi estuprada no Rio
Este texto talvez não seja direcionado para a leitora típica do Lifetime. Mas é para um monte de gente que ela provavelmente conhece.
"Gente" que desacredita uma vítima de estupro. "Gente" que relativiza essa violência. "Gente" que condena mulheres por serem mulheres. "Gente" bem assim, entre aspas mesmo, porque, para mim, bem... isso é tudo, menos gente.
O Brasil inteiro tomou conhecimento do estupro coletivo do qual foi vítima uma menina de 16 anos no Rio de Janeiro. Mas nem todo o Brasil se mostrou chocado diante do fato. À medida em que surgiram primeiro as imagens da garota nua e desacordada e depois as notícias, surgiram também xingamentos, comentários maldosos, muito machismo e muita podridão.
Devastaram a vida dessa menina. Fuçaram em seu passado, expuseram seu rosto, fabricaram áudios, fotos e vídeos com a única intenção de dizer "ela mereceu". Curioso como o estupro é o único crime no Brasil em que se buscam incansavelmente os antecedentes criminais da vítima.
O primeiro delegado, que deveria defender os interesses da vítima, mesmo diante das evidências claras, passou mais de uma semana sem admitir o crime. Desrespeitou a menor até colocando civis na sala durante seu depoimento.No caso, a própria namorada dele! E ainda mandou mensagem pros amigos dizendo que ela estava exagerando ao dizer que tinha sido estuprada. A mídia demorou a dar a devida importância e suavizou muitas notícias. Pessoas que não estavam no local culparam o funk, a favela, a gravidez na adolescência, a falta de pulso dos pais... menos os criminosos estupradores! Impressionante como nesse caso todo mundo virou especialista na "lei própria da favela"! Perdi as contas de quantas vezes eu li coisas como desde "na favela, o único crime que não perdoam é estupro, se fosse estupro mesmo, esses caras já estariam mortos" até "menina do asfalto que sobe o morro já vai procurando droga e orgia com traficante".
Qual é a dificuldade que vocês têm de admitir que ela é uma vítima? Vítima de um sistema doente e machista. Vítima de um estupro coletivo. E agora, vítima da opinião pública.
Eu não consigo nem imaginar o que é ter sexo com um homem que eu não queira, não consigo nem começar a pensar o que é ser violentada por mais de 30. Dezenas de homens te usando, te agredindo, te tirando toda e qualquer autonomia, te expondo, rindo de você. Não me sai da cabeça, inclusive, o sorriso de um dos acusados dos crimes, que acenou para as câmeras da TV que filmavam tudo ali com a certeza da impunidade.
Tocar uma mulher sem a permissão dela é estupro. Estupro é crime, você concorde ou não com a nomenclatura. Para a justiça do Brasil, a palavra da vítima é prova. Quer você concorde com isso ou não. O descrédito sexista, entretanto, ainda é maior que qualquer coisa.
Quando a gente fala de estupro, não deveria jamais existir um debate sobre mérito.
Mas existe.
E eu não tenho mais estômago para ouvir "essa história está estranha".
Estranho é quem pensa assim. Para não dizer "podre" mesmo.
E se você tem esse discurso podre de "eu sou contra o estupro, maaaaaas ela procurou", você devia se envergonhar de existir.
Carol Maglio é a blogueira conhecida como Pãozim De Queijo, além de produtora audiovisual, apresentadora de TV, modelo plus size e especialista em mídias sociais.
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