Stalkear não é amar
Há algumas semanas, um rapaz que participava de um mesmo grupo que eu no Facebook mandou uma solicitação de amizade para mim, acompanhada de uma mensagem privada falando perguntando se, apesar das nossas diferenças ideológicas, nós poderíamos ser amigos. Embora eu já hovesse sido alertada de declarações machistas proferidas por este rapaz, eu mesma nunca tinha visto nada e não via problemas para não aceitar alguém que “convivia” virtualmente comigo. A partir de então, ele começou a me mandar várias mensagens sobre assuntos do grupo, todas inofensivas mas que faziam pouco sentido. Eu buscava ser educada, mas não me estendia muito na conversa. Até que, um dia, eu entrei no Facebook e havia uma mensagem debochada: “Você ficou chateada com minhas manifestações homofóbicas? Hahaha”. Na hora eu não entendi nada, então fui até o grupo ver se descobria do que se tratava; e estava lá: em um tópico sobre relacionamento homossexual, ele discutia com outras pessoas sobre o quanto a homossexualidade não era natural, como um desvio, como uma doença. Não precisei pensar duas vezes: respondi a mensagem dizendo que ele não devia ter me adicionado para me perturbar, que eu vi o que ele falou e não iria compactuar com aquilo e o estava deletando do meu perfil e bloqueando o envio de mensagens da parte dele para mim.
Achei que o assunto ficaria resolvido aí, mas não foi o que aconteceu. Em seguida, ele passou a me seguir no Instagram e, depois de algum tempo, tentou me adicionar e mandar uma mensagem em meu outro perfil do Facebook (tenho dois, um geral e outro muito restrito), para que a gente “esclarecesse as coisas”. Mas como assim, se eu não me importava nem um pouco com ele e nem mesmo éramos amigos? Comecei a sentir cheiro de stalking e decidi bloqueá-lo de vez em todas as minhas redes. Dessa vez, achei que ele entenderia o recado.
Que nada! Ele passou a enviar mensagens para uma amiga minha, pedindo para que ela falasse comigo que ele queria esclarecer as coisas. Educamente, ela respondeu que eu não estava interessada. Mas ele continuou insistindo em mandar mensagens para ela, ainda que ela dissesse que aquele comportamento estava sendo estranho e um incômodo. Nem mesmo um amigo meu, que resolveu falar com ele “de homem para homem”, como se tivéssemos um relacionamento, adiantou: ele achou que era um perfil falso meu e continuou com o envio de mensagens para a minha amiga. Até que ele se explicou com a seguinte frase: “É isso que dá ser romântico”. Pronto, então era isso. Ele andava me perseguindo da maneira que podia porque estava enamorado de mim, por algum motivo que jamais entenderei. Fui obrigada a desbloqueá-lo e mandar uma mensagem bem contundente falando sobre como ele estava invadindo a minha vida, incomodando pessoas próximas a mim e que eu nem mesmo gostava dele ou queria ter qualquer tipo de contato com ele. Além disso, ameacei denunciá-lo à polícia. Sim, eu já estava começando a ficar assustada com a insistência do rapaz, que mora na mesma cidade que eu e compartilha muitos posts duvidosos de Bolsonaro e Olavo de Carvalho em seu perfil. Não dei oportunidade de resposta e, até o momento, ele não voltou a me incomodar.
A minha reação pode parecer exagerada para alguns mas, segundo especialistas, esta é a atitude certa a se tomar. Falando ao site Terra, o psicoterapeuta Denis Canal Mendes aconselha às vítimas de perseguição a se posionarem de maneira firme:
“Ouço aqui na clínica, ‘eu tento ser educado’, mas às vezes tem que ser um corte bem claro. Isso pode ajudar a dar um limite para essas pessoas. Encerra a perseguição? Às vezes sim, às vezes não. Depende do perfil do perseguidor”, disse ele.
Quando dar um basta não resolve e o perseguidor começa a se tornar agressivo, o jeito é mesmo procurar uma delegacia para fazer uma denúncia. No caso das mulheres, o mais indicado é que procurem a Delegacia da Mulher (DDM), já que a prática de perseguição e agressões psicológicas, mesmo virtualmente, são previstas pela Lei Maria da Penha. Na mesma matéria, a delegada Celi Paulino Carlota, de São Paulo, afirma que “muitas vezes a pessoa pensa que a internet é uma terra sem lei, mas não é verdade. É necessário que quando ela está sendo ameaçada, extorquida por essas pessoas através da internet, ela procure a delegacia de defesa da mulher” e avisa: “Não precisa chegar a uma ameaça. É difícil começar com ameaça, geralmente é com ofensas, com insultos e ela já pode estar fazendo o boletim. Insultos e ofensas já são crime.”
Pela lei brasileira, o stalking por si só, mesmo livre de ameaças e ofensas, “configura contravenção de perturbação da tranquilidade, tipificada no artigo 65: Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável. Pena prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa. Portanto, infração penal de menor potencial ofensivo,mas há uma proposta de reforma do Código Penal, em tramitação no Congresso Nacional, prevê criminalização do stalking, passando a ser infração penal de médio potencial ofensivo. Está inserido como tipo penal derivado do crime de ameaça”. Isso não significa que o fato de você passar o dia inteiro seguindo as atualizações da pessoa que você gosta se configure em um crime. Mas, para algumas pessoas, como no caso do rapaz insistente do começo desta coluna, o ato de mandar mensagens insistentemente, enviar presentes indesejados, aparecer de surpresa no local onde a pessoa mora, trabalha ou estuda e outros meios de impor sua presença sem a vontade do outro são atitudes frequentemente romantizadas, confundidas com amor. Algumas vítimas de stalking chegam a se sentir lisonjeadas pela atenção despertada, sem nem mesmo perceber o perigo a que podem estar se expondo – não raro, o stalker se torna cada vez mais agressivo, e até mesmo violento, com a recusa da vítima em satisfazer seus desejos, podendo chegar a crimes de agressão, invasão de propriedade, tortura psicológica e até mesmo assassinato.
Portanto, se você estiver sendo vítima de alguém que a todo custo quer 'te conquistar' indesejadamente, não se iluda: provavelmente você está sendo perseguida por um stalker, que vai querer impor domínio sobre a sua vida e dificilmente vai deixar você escapar facilmente quando quiser por um fim no relacionamento. Não se sinta culpada e nem intimidada: dê um basta.
Renata Arruda é jornalista de cultura e especialista em mídias socais. Mantém
um blog sobre livros no Huffington Post Brasil e assina o Prosa Espontânea.
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