Só as belas são perdoadas?
Durante a cerimônia de entrega do Oscar, no último domingo, a figurinista Jenny Beavan subiu ao palco do teatro usando jaqueta de couro com uma caveira nas costas, cachecol e calça jeans preta para receber o prêmio de Melhor Figurino por seu trabalho no filme Mad Max: Estrada da Fúria. Horas depois, um vídeo viralizou nas redes sociais, mostrando que parte da plateia – entre elas o Oscarizado diretor de O Regresso, Alejandro G. Iñarritu, não só não aplaudiu fulana, como alguns ainda pareciam lançar olhares atravessados ou rir dela. Um debate logo se instaurou: aconteceria o mesmo se a premiada fosse uma das lindas atrizes super famosas? Se ela estivesse maquiada, de vestido e salto, alguém a olharia daquela maneira?
Enquanto os motivos para que Beavan não tenha sido aplaudida possam ser discutidos, a questão sobre a aparência física das mulheres não é impertinente. Mulheres consideradas fora do padrão de beleza são tratadas com mais dureza e indiferença?
[ASSISTA AMANDA KNOX: JULGAMENTO NA ITÁLIA, ESTA NOITE, ÀS 23H30]
Essa questão foi levantada durante o caso Amanda Knox. Para quem não sabe ou não se lembra, em novembro de 2007 Amanda foi acusada de assassinar a britânica Meredith Kercher, com quem dividia um quarto na Itália, através de um programa de intercâmbio, e ter contado com a ajuda de seu namorado Raffaelle Sollecito e o costa-marfinense Rudy Guede. Meredith fora encontrada morte na casa em que ambas dividiam e tinha marcas de facadas e de agressão sexual, além de um corte na garganta. Depois de mudar várias vezes sua versão da história, e inclusive ter incriminado seu chefe, que provou ser completamente inocente, Amanda foi condenada e, em seguida, absolvida de assassinato, cumprindo pena somente por calúnia. Hoje ela vive nos Estados Unidos, onde trabalha como jornalista e freelancer e se tornou uma espécie de subcelebridade – no site TMZ há piadas cheias de trocadilhos infames sobre Amanda killing it no Karaokê ou “matando” a moda com suas roupas, por exemplo.
É um caso curioso. De principal suspeita, Amanda conseguiu se tornar a vítima, convencendo a mídia e a população americana a acreditar em sua inocência e na incompetência do supostamente corrupto sistema de justiça italiano, que a teria acusado injustamente. Amanda chegou a escrever um best-seller contando seu lado da história e filmes foram feitos sobre seu caso. Feministas vieram tomar partido a seu favor, acusando de machismo a abordagem da polícia italiana, que a teria julgado assassina por seu comportamento promíscuo, tratando o caso como uma orgia ou ritual “satânico” que tinha dado errado. Isso chamou a atenção de alguns produtores de filmes pornôs, que convidaram Amanda para estrelar seus filmes. O site feminino Jezebel, publicou um texto em defesa da moça, demonstrando porque todas nós seríamos Amanda Knox.
Mas muita gente não parece convencida. Em primeiro lugar, tanto Amanda quanto Raffaelle vêm de famílias abastadas e puderam pagar os melhores advogados – além de, como dito, Amanda contar com o apoio da opinião pública americana. O único condenado neste caso é Rudy, que já tinha antecedentes criminais por arrombamento e afirma categoricamente a presença de Amanda na cena. A vítima, ficou completamente esquecida nessa história, inclusive pela imprensa britânica que parece não ter dado ao caso a mesma importância que a americana. Ao saber que Amanda havia sido inocentada, depois de duas vezes condenada, a mãe de Meredith se disse “chocada”. Ficou estabelecido que Rudy Guede agiu sozinho e o caso parece, por ora, encerrado.
Mas será essa a verdade? Será que a narrativa contada por Amanda, com apoio da mídia americana, não é justamente aquela que as pessoas querem? “Amanda Knox é assim como você, uma estudante universitária de personalidade forte, liberal, sexualmente livre, que teve o azar de estar no local errado e na hora errada e, por isso, foi justamente condenada”. Mas e se Amanda Knox fosse uma mulher feia, uma mulher pobre, uma mulher gorda, uma mulher negra ou de qualquer minoria étnica? Alguém se importaria?
Renata Arruda é jornalista de cultura e especialista em mídias socais. Mantém
um blog sobre livros no Huffington Post Brasil e assina o Prosa Espontânea.
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