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Quando a traição da mulher choca mais do que a violência do homem

MOMENTO LIFETIME
Por Lifetime Brasil el 23 de July de 2022 a las 00:30 HS
Quando a traição da mulher choca mais do que a violência do homem-0

A menos que você tenha se autoimposto um bloqueio de redes sociais nesta semana, você deve ter visto o vídeo do marido que invade um motel em Minas Gerais para dar o flagra na mulher e no melhor amigo juntos. Ou pelo menos ficou sabendo. Ou ouviu o nome Fabíola. Foi o maior barraco digital do ano, quem sabe, da década. Um prato cheio no cardápio daqueles que amam degustar a desgraça alheia. 

 

Na minha opinião, foi a coisa mais lamentável que eu já vi nestes meus anos de vida virtual. Lamentável que alguém filmou algo que só deveria dizer respeito ao casal e às suas famílias. Lamentável que alguém publicou isso, que, claro, se espalhou com a velocidade da luz. Esse tipo de coisa viraliza rápido.

 

Antes mesmo de carregar o vídeo num grupo de WhatsApp de que participo, já havia prints dos perfis dela, das fotos com os filhos, da família feliz que agora estava destruída, informações do trabalho dela e de coisas pessoais. Tudo devidamente acompanhado de comentários do tipo "que vadia", "essa vagabunda não deu valor pra família linda que tinha". As pessoas ficaram CHO-CA-DAS com a capacidade da mineira de trair o marido. Mas ninguém se chocou com a violência do marido - alguns até deram razão a ele, que tem uma "honra a ser lavada". Tão século 19 isso, mas ainda tratado com naturalidade nos dias de hoje. Afinal, sempre vemos a vilã da novela tomar uns tapas, uma sova e vibramos com isso!

 

Quando o quarto elemento desta cena filmou o flagra, a sua intenção era clara: expôr a mulher do amigo. Ao divulgar o vídeo, quiseram desmoralizá-la, manchar sua reputação, jogá-la para o julgamento da sociedade. Isso parece familiar, não é mesmo? Porque são os mesmos objetivos de quem divulga vídeos íntimos no dito revenge porn.

 

Quem divulgou o vídeo tinha tanta certeza de que a sociedade machista se voltaria exclusivamente para o fuzilamento da mulher, que nem se importou com a agressão que o marido comete ao bater no rosto dela e arrastá-la pelos cabelos. Na necessidade de julgar a vida íntima dos outros (e, claro, o comportamento sexual de uma mulher), as pessoas recebem o vídeo e ignoram a agressão, de boa. Nossa sociedade está tão doente que uma agressão como essa é levada a público sem cerimônia e sem medo das consequências.

 

Essa sociedade é tipo o vizinho que fica revoltado quando ouve a noite de sexo animada na casa ao lado, mas que se recolhe à sua insignificância se ouve uma briga na mesma casa, argumentando com aquela rima infeliz: "em briga de marido e mulher não se mete a colher". É o retrato mais fiel da hipocrisia.

 

Até o amigo traidor, embora flagrado no mesmo ato, é tratado com mais dignidade por todos. Saiu da história como "comedor" e a indignação seletiva é apenas pelo fato de ele ser gordo - como se os gordos não tivessem poder de seduzir uma mulher bonita. E nem ele defende a mulher. Não se move 1 centímetro para protegê-la ou coisa similar.

 

Trair é da natureza do macho e eles são perdoados por seguirem seus "instintos". A mulher que trai é considerada a pecadora, a destruidora de lares - neste caso, de dois, de uma família inteira e de um círculo de amigos aparentemente muito unidos. Como se ela tivesse feito tudo sozinha.

 

Vi muitos homens fazendo piada com a situação. Pior, vi muitas mulheres rindo e fazendo piadas toscas, alimentando o linchamento virtual. Gente que se diz livre de preconceitos destilando os preconceitos mais condenáveis. Quando eu acho que o mundo está melhorando, ficando mais esclarecido, as pessoas tropeçam e caem nas atitudes mais ridiculamente primitivas. É triste perceber, mas o que a sociedade mais quer é crucificar uma mulher fazendo algo de errado. Porque o que ela fez foi errado, sim (assim como os outros três envolvidos na situação também erraram), mas isso não é problema meu e não deveria ser seu. Enquanto você se deliciar com esse tipo de coisa, outras mulheres serão expostas. Porque é com isso que os agressores delas contam, com a sua audiência e julgamento!

 

 

Talvez no começo, vendo a dimensão que a coisa toda começava a tomar, os divulgadores do vídeo tenham se sentido vingados. Agora eu espero que eles estejam muito envergonhados e medrosos - espero que paguem por essa exposição toda, por transformarem um assunto íntimo em um espetáculo sem graça, que só revelou a podridão de quem riu e compartilhou.


 

Carol MaglioCarol Maglio é a blogueira conhecida como Pãozim De Queijo, além de produtora audiovisual, apresentadora de TV, modelo plus size e especialista em mídias sociais.
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