Nós por nós: o que as mulheres temem
"Por que vocês têm medo das mulheres?", perguntei a um grupo de homens.
"Temos medo de que elas riam da gente", os homens responderam.
"Por que vocês têm medo dos homens?", perguntei a um grupo de mulheres.
"Temos medo de que eles nos matem", as mulheres responderam.
O trecho acima, de um texto da novelista canadense Margaret Atwood, se tornou uma clássica citação feminista e resume de maneira contundente a diferença entre as experiências de vida de homens e mulheres: nós vivemos em constante alerta, já que o perigo de sermos assediadas, estupradas, espancadas e mortas por um homem é real e está à espreita em cada rua deserta, cada metrô lotado, cada festinha e até mesmo no ambiente de trabalho ou dentro de nossas próprias casas. Para os homens, dentre os perigos que uma mulher pode oferecer são falsas acusações de estupro e agressão, infidelidade, gravidez ou - o horror - rir deles e rejeitá-los. A parte cabulosa: na maioria dos casos, as retaliações, quando existem, costumam vir em formas variadas de agressão como castigo pela ingratidão ou mau comportamento - e aqui vale o parênteses: ainda que ser acusado de um crime que não cometeu seja uma experiência horrenda que pode destruir a vida de uma pessoa, estatísticas contam que para cada 100 casos de estupros denunciados, apenas 2 ou 3 se provam ser falsos. Isso sem levar em conta as outras centenas que nunca foram registrados. Como pontua esta matéria da Vice, os homens estão mais propensos a sofrer um estupro a serem falsamente acusados de um.
Ao realizar entrevistas para o documentário No Safe Place: Violence Against Women (Não há lugar seguro: Violência contra a mulher, em tradução livre), a roteirista Mary Dickson conta que a equipe pediu para que homens e mulheres contassem do que eles mais tinham medo, em geral. A lista feminina era bem específica: as mulheres relatavam temer violência física, como estupros durante uma caminhada de manhã, invasão a domicílio, ser atacada enquanto coloca o lixo para fora. Além disso, as mulheres também temiam pela segurança de suas crianças. Já os medos masculinos se revelaram mais abstratos: "medo de ser burro", "medo do fracasso", "medo das consequências de uma decisão errada", "medo de perder o controle". "Sendo um homem, sinto medo de muito pouca coisa", disse um deles.
Com uma percepção tão diferente da realidade, não é de surpreender que os homens demorem a se dar conta das preocupações e temores femininos. Um exemplo banal, mas prático: recentemente, resolvi checar o Tinder e saiu uma combinação com um rapaz na França. Ele puxou assunto comigo, dizendo que viria ao Rio para as Olimpíadas mas não tinha amigos por aqui. Era um sujeito simpático, que se expressava bem, trabalhava como arquiteto e fotógrafo e parecia pertencer à classe alta. Minha reação foi de desconfiança. Quanto mais ele insistia para que eu o adicionasse no Instagram e Facebook, mais eu fugi e desinstalei o aplicativo. Contando o caso para um amigo, ele ficou me incentivando a continuar a conversa, animado com a possibilidade de que eu saísse com um aristocrata europeu. Em seu universo, sendo homem e homossexual, encontros casuais com homens que acabara de conhecer no aplicativo são comuns e o maior risco é se apegar a quem não deve. Já do lado de cá, minhas preocupações eram muito mais obscuras e logo fiz com que ele voltasse à realidade, brincando meio a sério: "O que esta pessoa poderia estar querendo comigo assim, de forma tão insistente e tão de repente? Só pode ser um serial killer que vai querer me matar!". Eu que não iria pagar para ver.
Em seu livro Sex, Art and American Culture (Random House, 1992), a controversa intelectual Camille Paglia defende que o feminismo está equivocado ao dizer às mulheres que "elas podem fazer o que quiserem, ir onde quiserem, vestir o que quiserem. Não, elas não podem. As mulheres sempre estarão correndo perigo sexual". Segundo ela, ainda que se deva trabalhar para remediar as injustiças sociais, a mulher enquanto presa sexual do homem é algo que jamais mudará. Talvez ela tenha razão em dizer que seremos sempre presas em potencial, mas esta noção também reforça a ideia da conduta do homem animalesco, incapaz de se controlar e, em última análise, serve como justificativa para se culpar a vítima pela agressão que venha a sofrer. Ou seja, mesmo que seja este o funcionamento atual do mundo, me parece que o enfoque mais adequado seria o de constranger a noção de masculinidade que se baseia na dominação e no poder sobre as mulheres para poder ser exercida. Se as mulheres sempre estarão correndo perigo, em uma sociedade conivente com a cultura do estupro e que faz vistas grossas para as agressões sofridas por mulheres, estaremos correndo muito mais. Enquanto os próprios homens não se conscientizarem de seu papel enquanto agentes de mudanças ao lado das mulheres, seremos nós por nós.
Renata Arruda é jornalista de cultura e especialista em mídias socais. Mantém
um blog sobre livros no Huffington Post Brasil e assina o Prosa Espontânea.
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