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Ensinando a lidar com a dor

Momento Lifetime
Por Lifetime Brasil el 23 de July de 2022 a las 00:30 HS
Ensinando a lidar com a dor-0

A semana está particularmente difícil e eu estou experimentando novas sensações da maternidade. A de ter de ser forte quando, por dentro, estou em frangalhos. A de dar nome para os sentimentos de um menino com 8 anos, apaixonado por futebol, e que nunca perdeu alguém próximo. A explicar que, quando a gente menos espera, pluft, a vida acaba. 

 

Voltemos à terça-feira...

 

No primeiro momento em que escutei do marido a notícia do acidente, às 5h da manhã, eu pensei nas famílias desses jogadores, nas mães, nas esposas, nos filhos que eles deixaram. Tão jovens, meu Deus, com um futuro pela frente. 

 

Depois comecei a ver a lista dos passageiros. Lia, reconhecia nomes do jornalismo esportivo. Ninguém com quem eu tenha trabalhado. Mas professores de um bom jornalismo. Gente de quem já vi palestra, cujo trabalho conhecia e que ficava comigo aqui na minha sala quase todas as noites. Gente que, como eu, encarava viagens para coberturas de eventos. E, diferentemente de mim, esta semana não voltou para casa. 

 

Gabriel me viu chorando. Ele ainda não tinha tomado conhecimento de tudo. Fomos explicando da forma como as coisas aconteciam. Ironicamente, saímos para o treino do futebol. Ele comentou com os professores que estava triste. E que eu estava chorando no carro. Vieram me trazer água, mas estava tudo bem. Só uma tristeza profunda e inacreditável.

 

Gabriel perguntou o que será da Chapecoense agora. “Não sei, filho. Não sei te dizer”, respondi. Ouvimos juntos o Galvão Bueno chorando ao vivo e o time do Atlético do Nacional oferecendo o título da Sul-Americana. Gabriel começa a ter ideia da dimensão de tudo e passa a manhã no canto dele. 

 

Eu falo de morte, da vida efêmera, da necessidade de vivermos, amarmos, beijarmos (meu filho não dá nem recebe beijo), de respeitarmos e nos perdoarmos. Falo tudo que vem à nossa mente sempre que algo de muito ruim acontece. 

 

(pausa para o trabalho e a escola)

 

À noite, a gente briga. Eu grito, reclamo e choro muito. Recolho tablet e celular e, por muito pouco, não atiro tudo no chão. Choro muito. Ele entra no banho aos berros e vou tirar a comida do fogo. Marido me abraça, tenta me acalmar. Por um momento eu senti muita raiva da minha relação com meu filho e do quanto ele estava sendo insensível, num dia em que muitas famílias deixaram de estar completas. Esqueci que ele é uma criança. 

 

“Ele só tem oito anos. Você foi assim, eu fui assim. Nessa fase eles só olham pro próprio umbigo.”

 

Marido tem razão. Se a dieta me permitisse, eu teria aberto um vinho. Mas tomo um chá, termino de fazer o jantar e me volto para a brincadeira com o filho menor. 

 

Vida que segue.

O aperto no peito continua.

A lembrança do acontecimento trágico do dia continua. 

E a minha sensação de que Gabriel não valoriza a nossa família e a nossa vida permanece.

Permanece e aperta no peito. 

 

A casa fica em silêncio. Eu choro baixinho na sala, ainda perplexa com o dia dessa terça-feira. 

 

“Desculpa. Eu te amo. Não quero nunca te perder.”

Ele vem, me dá um abraço de cabeça baixa para que eu o beije nos cabelos e se vai. Para o sono de todo dia. Para a sua vida, que segue.

 

Quantas desculpas não pedidas!

Quantos beijos não dados!

Quantos abraços apertados deixados para trás! 

Quanto amor guardado em silêncio dentro do peito! 

 

Para as vidas que seguem: ainda dá tempo de fazer diferente. 

Para os 71 que se foram: obrigada por nos dar a chance de mudarmos, nos transformarmos e sermos pessoas melhores. 

 

Mas a vida, depois dessa terça-feira, nunca mais será a mesma.

 


Ensinando a lidar com a dor - 1Nanna Pretto é jornalista, baiana, casada com paulista e mãe de dois meninos. 
É autora do blog Dica de Mãe, que deu origem ao livro “101 coisas que você precisa fazer com seus filhos antes que eles cresçam”. É corredora há mais de 15 anos e tenta fazer da ioga e do ballet um hábito. Ama seriados, reality shows e reprises de filmes. 


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