Chegou a hora de construir a cultura do consentimento
Muito se falou em cultura do estupro no Brasil, mas talvez esteja no momento discutir uma outra cultura, a do consentimento sexual. Ela é bem simples: "sim é sim" e "não é não".
Apesar de soar simples, ela não é fácil de ser aplicada. A dificuldade está justamente na palavra cultura, pois é ela que precisa ser mudada. Isso leva tempo, gerações, e passa diretamente pela educação.
Quem mandou beber
“É preciso ensinar para os rapazes a cultura do consentimento. O cara tem que entender que se a mulher está bêbada, desacordada, ele não pode abusar dela. Sexo sem consentimento é estupro e é muito difícil falar sobre isso no Brasil, porque a ideia do ‘quem mandou beber até cair, a culpa é dela’, infelizmente, ainda é muito difundida”, relata Heloísa Buarque de Almeida, professora do Departamento de Antropologia Social da Universidade de São Paulo, a Agência Patrícia Galvão.
Mulher "não reagiu"
Outro grande problema do consentimento persiste no senso comum bastante difundido de que, se a mulher não reagiu ou negou veementemente o sexo, não houve estupro, ignorando-se as diferentes reações que uma pessoa pode ter numa situação traumatizante de ameaça e força, como lutar ou paralisar.
Há também o pensamento de que se uma mulher fez sexo num primeiro encontro com alguém, ela basicamente deu o sinal verde para o sexo com essa mesma pessoa em todos os encontros futuros.
Mulheres provocam?
Em uma sociedade que hipersexualiza as mulheres jovens, a cantora e compositora norte-americana Erykah Badu defendeu a ideia de que estudantes deveriam usar saias mais longas. "Estou ciente de que vivemos em uma sociedade baseada no sexo. Nós todos, homens e mulheres, temos responsabilidade de proteger nossas jovens", escreveu no Twitter. Ela disse depois, que "seria fora do normal um homem heterossexual sentir atração por uma mulher que use uma saia reveladora? Não. Eu acho que é a sua natureza."
A colocação da cantora provocou polêmica. Muitos destacaram que a roupa que uma jovem usa não serve para justificar qualquer falta de consentimento em uma relação sexual ou qualquer tipo de abuso sexual.
Além disso, isso não expõe o fato de que nossas crianças estão sendo criadas por adultos que reproduzem uma cultura do estupro em que a vítima é a culpada?
Vale lembrar que, para grande parte da nossa sociedade, a regra é de que a mulher deve conter seus instintos sexuais e se guardar em relação ao homem. Enquanto ao homem é permitido, por sua natureza, agir por impulso e não resistir a uma mulher "sedutora". Ou seja, no consenso geral, a mulher não apenas seria responsável por controlar seus próprios instintos como também precisa se preocupar com o que provoca nos outros. Muita responsabilidade e culpa até agora. Mudar a cultura levará tempo, mas é necessário.
Fontes: Womens News , Agência Brasil , Agência Patrícia Galvão
Imagem: Tomaz Silva/Agência Brasil