Chega de Fiu Fiu!
por Victoria Siqueira (@borboletando)
Certa vez, uma menina estava passando pela rua acompanhada de sua prima, alguns anos mais velha, quando ouviu um homem falar “princesa”. Poucos meses depois, a mesma menina foi no mercadinho na rua de casa, usando um shorts jeans e uma camiseta, e voltou sob os olhares de um homem que parecia querer devorá-la. A personagem desta história é real. A tal menina era eu, aos 11 anos, 1,70m e um corpo em desenvolvimento.
Ao longo dos anos tenho colecionado outras situações desagradáveis que fizeram com que eu criasse certo pavor de ser abordada enquanto estou na rua. Do cara que me encara no trem ao homem que me ficou me cercando quando saí para comprar um café, perto da faculdade.
'Você pediu, com certeza estava usando uma roupa provocante', diriam os mais machistas. E eu respondo: 'Não, uso na maior parte das vezes jeans e camiseta”. Mas, quer saber? Mesmo que estivesse com uma roupa sensual ou nua, ninguém (eu disse NINGUÉM) tem o direito de invadir meu espaço e nem de qualquer outra mulher.
Já ouvi (e acho que você também) de outras mulheres que elas nunca foram abordadas na rua porque não usavam roupas decotadas ou se comportavam de uma maneira digna. A pergunta é: quem definiu o que é digno ou não? Digno para mim é uma pessoa honesta, que honra seus compromissos e, principalmente, respeita o outro, independentemente do sexo, religião, raça, orientação sexual entre outras peculiaridades.
Se hoje eu falo sobre esse assunto, devo confessar que nem sempre foi assim. Durante muitos anos, moldei minha reação a estas situações a partir do que a sociedade machista pregava. Embora tivesse toda a educação e orientação aqui em casa, era difícil manter este pensamento quando eu colocava o pé na rua.
Por anos, acreditei que o fato de me sentir mal com estas cantadas estava associado à minha extrema timidez e não saber lidar com “elogios”, principalmente de estranhos. Hoje sei que o problema não sou eu e que essa abordagem está longe de ser um elogio.
Devo parte disso à internet e aos movimentos que me fizeram entender que eu tenho o direito de poder viver minha vida sem ser julgada ou incomodada. Que apesar de viver em um mundo extremamente machista, eu tenho o direito de me impor, exigir respeito e fazer da minha vida o que eu bem entender.
Enfim, esse texto é para lembrar você que toda mulher tem o direito de ser ela mesma quando, aonde, como e com quem ela quiser. Você não é um objeto, você é um ser humano que merece respeito, dignidade e liberdade para fazer o que quiser da vida. Tem o direito de ir e vir sem ser incomodada, usar a roupa que quiser sem receio de ser julgada, dizer NÃO e NÃO QUERO sem medo das consequências, sair com quem você quiser e fazer o que bem entender da sua vida sem se importar com o que as outras pessoas pensam.
Números dos assédios sexuais*
Ninguém deveria ter medo de andar na rua, por qualquer motivo. No caso das mulheres, que também estão expostas à violência criminal, ainda existe o assédio sexual em espaços públicos. De acordo com uma pesquisa realizada em 2013 pela jornalista Karen Hueck, como parte da campanha “Chega de Fiu-Fiu”, 99,6% das 7.762 entrevistadas afirmaram que já foram assediadas. Um número para lá de preocupante.
Para perguntas como “Você acha que ouvir cantadas é algo legal?”, as respostas foram de 83% para “não” e 17% para “sim”. Boa parte das entrevistadas também admitiu que deixou de ir a algum lugar por causa do assédio (81%) e que também trocou de roupa antes de sair de casa por conta de onde iria por receio das abordagens (90%). Isso sem falar em assédios físicos: 85% já sofreram a “passada de mão”.
Victoria Siqueira, 28 anos, São Paulo
Blog: http://borboletando.com.br/
Instagram: https://instagram.com/borboletando/
Twitter: https://twitter.com/borboletando
* nota do editor, com base na pesquisa Chega de Fiu-Fiu.: http://thinkolga.com/2013/09/09/chega-de-fiu-fiu-resultado-da-pesquisa/